500 - CARLOS GOMES

Começamos este Agosto com um dos heróis (esquecido) do futebol português. Mas num mês onde se pretende falar de diáspora, Carlos Gomes, para além de emigrante, acabou por ser, também ele, um refugiado!
Muito antes deste episódio, já o guarda-redes mostrava habilidade entre os postes. No Barreirense, clube da sua terra natal, o jovem atleta era visto, não como uma simples promessa, mas como um valor seguro. Tal era a certeza disto, que antes de completar a idade de sénior, já ele era um dos nomes que, com alguma frequência, alinhava de início na sua equipa. Começou por alternar o lugar com o seu ídolo de infância, e antes que conseguisse, em definitivo, roubar o lugar a Francisco Silva, já o Sporting o tinha contratado. No entanto, e se para qualquer um esta mudança seria motivo de júbilo, para Carlos Gomes a história foi bem diferente. Pelo que se conta, no dia em que os dirigentes leoninos entraram em sua casa, aquilo que esperariam ser uma notícia alegre, acabaria por se tornar num explodir de revolta. Estava tudo acertado entre os dois clubes, mas ao contrário do que hoje vemos como normal, alguém se tinha esquecido de perguntar ao jogador sobre a sua vontade. Ora, para Carlos Gomes, criado num meio operário, onde o espectro da luta contra o regime salazarista estava presente em cada esquina, tal "pormenor" não era mais do que uma afronta à sua liberdade. Reclamou respeito e acusou aqueles que dirigiam o futebol português de promover o esclavagismo. Mandaram-no calar; disseram-lhe que receberia 10 contos. Exigiu 50... e o presidente leonino, Ribeiro Ferreira (dirigente da União Nacional) lá cedeu!!!
Já no Sporting, a veia contestatária de Carlos Gomes nunca desapareceu. Começou por entrar em conflito com o seu antecessor, de quem dizia "o velho [Azevedo] já nem vê a bola"!!! Depois vieram as exigências para lhe aumentarem o salário. A resposta que teve do Presidente Góis Mota (outro alinhado do regime), seria bem o exemplo da prepotência daqueles tempos - "Queres mais dinheiro? Pois mete na tua cabeça, se é que a tens, que enquanto for presidente são cinco contos ou nada. Para que queres tu mais dinheiro? Para putas e automóveis?".
Pelo meio, outros episódios... Como aquele em que levou uma estrangeira à PIDE; estacionou o carro nos lugares reservados aos funcionários e, já lá dentro, pediu que carimbassem o atestado de residência da amiga. Resultado: por entre insultos e agressões, Carlos Gomes seria detido, safando-se de males maiores por ser jogador do Sporting. Pior acontecer-lhe-ia quando, num jogo da Selecção Militar, se riu de uma bacorada de Santos Costa (Ministro da Guerra de Salazar). Aqui, já nem o "verde e branco" lhe valeu de nada, acabando por passar uma semana encarcerado.
Com tantas desavenças, atleta e clube entrariam em rota de colisão. É então que aparece em cena Alejandro Scopelli. Ora, em 1958, o antigo treinador leonino (com passagens por FC Porto e Belenenses) estava à frente do Granada; na calha, um negócio que mataria "dois coelhos de uma cajadada só". Vejamos: para o Sporting era livrar-se de uma dor de cabeça; já para o clube andaluz, o contratar de um dos melhores guarda-redes daquela década… Sim, não exagero quando digo que Carlos Gomes era um dos melhores! Isso via-se em campo; via-se na maneira destemida como saía dos postes, nos reflexos que o tornavam imbatível, na sua elegância e até nos adornos, tantas vezes dispensáveis, que punha nas suas intervenções. Contudo, se os espanhóis pensaram que estavam a contratar apenas um futebolista, enganaram-se! Carlos Gomes continuava polémico! Um dia, quando um jornalista lhe pediu para comentar os salários em atraso, respondeu - "No hay diñero, no hay portero". Logo de seguida, quando o mesmo periodista perguntou porque é que se equipava sempre de preto, retorquiu - "Enquanto o futebol português estiver entregue aos doutores, estou de luto".
A sua passagem por Espanha duraria 3 anos. Dizem que Barcelona e Real Madrid almejaram em tê-lo; dizem, também, que alguns dirigentes do Sporting "evitaram" que isso acontecesse, permitindo, no entanto, que fosse para o Oviedo. 

Já de regresso a Portugal e com destino marcado ao Sporting, Carlos Gomes requere ser o mais bem pago do plantel. Desta feita ninguém aceita as suas exigências. O guardião ameaça assinar pelo Salgueiros (filial do Benfica)... e a resposta não demorou muito tempo!!!
Ora, nesses tempos, Carlos Gomes tinha alguns negócios para além do futebol. Um deles era uma loja de fotografia. Um dia pôs um anúncio pedindo um funcionário. Quem responde ao reclame é uma jovem rapariga. O pior é que no dia seguinte, a mesma jovem acusa o internacional português de violação. Carlos Gomes nega tudo. Diz que lhe armaram uma cilada; diz que os dirigentes do Sporting, numa maquinação com a PIDE, estavam, por razão de ter dito que assinava pelo Salgueiros, a tentar vingar-se dele. É então que é "empurrado" para o Atlético. Aceita. Contudo, o pensamento de Carlos Gomes já estava muito mais além, e em mente o esboço de uma fuga. 

O tal plano acabaria por ser posto em marcha num jogo disputado na Tapadinha. Antes do mesmo, sem levantar suspeitas, junta-se à sua equipa. Ainda começa a partida, mas perto do intervalo finge uma lesão. Vai aos balneários e no regresso para a segunda parte, nem mesmo os agentes da PIDE que o vigiavam das bancadas, parecem saber do atleta!!! Pois é, tarde demais: Carlos Gomes dirigia-se à fronteira... instalado na mala de um carro.
De Espanha partiria para Marrocos. Aí com o estatuto de refugiado político, continuou a sua carreira. Jogou pelo Ittihad Tanger, tendo, de seguida, passagens pela Argélia e Tunísia.

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